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domingo, agosto 13, 2006

Leitura

Em 1826, Goethe abriu o sepulcro do seu amigo Schiller
para lhe tirar o crânio, e o colocar sobre a secretária.
Vendo-o, podia continuar o diálogo em que
muitas vezes entraram em conflito, a propósito da
Grécia, ou do próprio destino; mas o silêncio de
Schiller não era uma ausência de resposta às suas
interrogações, e através das cavidades dos olhos
Goethe imaginava o longo discurso em que uma
nova razão se impunha. Por outro lado, afastava
do seu espírito a ideia de morte; e a matéria em
que podia tocar trazia-lhe essa voz antiga, com
o seu ritmo inacabado, para que ele a vertesse
no papel onde iriam surgir os tercetos do
ossuário. «Assim, a vida pode nascer do nada»,
pensou; e dirigiu o seu pensamento para a
gruta onde Madalena se deitou, colocando
o livro sobre um outro crânio, para que ele
ficasse à altura dos seus olhos, e o sentido do
que lia se apoiasse no vazio da morte. Mas
a comparação não passou daqui: para Madalena,
a luz vinha do entrada da gruta, onde se
avistava o dia; para Goethe, a natureza
não revelava mais do que aquilo que o
homem nela descobria. «E se for um deus
que a habita?» Porém, tirando o livro
a Madalena, Goethe pôs fim à conversa,
deixando à sua vista o que é o fim.