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quarta-feira, agosto 13, 2008

Vénus obscura


Avivo a tarde na cal do rosto,
vendo cada fragmento da sua pele desprender-se
da memória. E penso nas deusas que
inspiraram a imagem que nasceu
desta matéria de pó e gesso: uns olhos que
rompem o tempo, e me fixam com
a sua exactidão de nuvem. As palavras
despem-na de adjectivos, restituindo-a
a uma pura essência de beleza. O corpo
ergue-se de uma ruína de sentimentos; a boca
hesita num silêncio que demora, como se
não tivesse resposta. O busto oferece
o seu desenho a um artesanato de sombra. Uma lua
estremece sob os seus passos, e a noite
segue-a, num frémito de serpente. Numa paisagem
de astros, completo a constelação
dos seus seios com os verdes veios de Vénus.