Matisse e a odalisca
Com o caderno na mão, desenha os esboços
que me lembram um almoço de couscous,
há uns anos, com um equilibrista pelo meio. No entanto,
os desenhos tinham a luz do norte de África, muito
diferente da luz de Paris onde estava a exposição;
e se um barco atravessava a esfera de alcance
da minha vista, é porque estávamos na primavera,
e já havia turistas no Sena, a espreitarem o instituto
do mundo árabe com as suas janelas necrológicas,
que deviam rodar como a chave na fechadura
para que a luz não pudesse entrar, no verão, ou entrasse
completamente, no Inverno (o mecanismo é que não
funciona, fica só a intenção). Mas no meio dos dedos
de Matisse, o que navega é o corpo da odalisca que
ele tira do leito para lhe dar um movimento de dança,
como o que fazia o equilibrista, entre as mesas,
distraindo os comedores de couscous. Por causa disso,
não acabei o prato, vendo o barco que atravessava o Sena
entrar pelos olhos da odalisca, e sair do outro lado
da mesa, onde Matisse tinha pousado o caderno
para me perguntar se sabia dela, que fugira
do quarto à frente de um barco, e fora apanhada
pelo equilibrista que, num passe de mágica, a metera
na sua manga, para a levar de volta ao divã.
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