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terça-feira, maio 23, 2006

O vergel (variante: Proserpina)


É na terra que se encontra a matéria do poema,
sob estes dedos que afastam pedras e ramos para chegar
à raiz das coisas, mesmo que um carreiro de formigas
se meta pelo meio, ou ervas mortas saltem de dentro
de torrões. Ao fundo, onde as amigas conversam
de assuntos da vida, e uma lembrança de cidade rompe
o hímen da natureza, o céu fecha a estrofe; e
não é preciso procurar um rasto de avião por entre
as nuvens para saber que o horizonte não existe,
ou que a terra é tão redonda como este fruto
que a mulher colhe, com os olhos, ao pensar que o seu corpo
se poderia transformar em árvore. Neste inverno,
porém, limita-se a examinar os caminhos de deus,
que se metem pela terra, como a água da chuva; e desejaria
segui-los, até ao mais fundo dos subterrâneos,
oferecendo o ventre a uma gestação de primavera. As amigas,
porém chamam por ela; e lembram-lhe que o seu lugar
não é entre os mortos, mas nesse ângulo que toca
a luz nascente, onde ela vê a primeira paisagem
do dia, e as modificações que se fazem no mundo quando
sacode as mãos, e regressa à vida.