Hesitação
Vinha de andar a pé, de se perder numa avenida
ao atravessar a a passadeira sem fim, de ouvir
os gritos da mulher louca no passeio em frente, de
espreitar as montras do centro comercial, de saber
que já não faltava muito para o fim do dia, de fazer
contas num caderno (o fim do mês não estava
longe), de conversar com a mulher que pediu um
café, ao balcão, e insistia em não se sentar, de
olhar para o velho que montava caixas de papel
numa esquina, e era a cama que tinha, de repetir
os recados que ouvira no atendedor do telefone,
de não perceber o que estava para acontecer, afinal
não tinha estudado para sibila, de pôr as moedas
para pagar o jornal, e o dinheiro estava certo, disse
a empregada do quiosque, de lhe perguntar de
onde era a sua pronúncia, e percebeu um país
de leste, de hesitar no caminho para a saída,
um corredor para trás, um outro para a frente,
e os dois iam dar à mesma porta, de não saber
o que a esperava, mas o caminho era sempre o
mesmo, de não ter certezas, e de abrir a carteira
para ver se lhe sobrara alguma, de ouvir que
a chamavam, e tinha-se enganado, de abrir um
livro sem o ler, só a fingir que tinha alguma coisa
que a ocupasse, e afinal quem se importava
com isso, de não ver que o céu se enchia de nuvens,
e não trouxera chapéu de chuva, e como iria
agora chegar a casa, só não se lembrava
que o céu era o seu tecto, e a rua o seu quarto.
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