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quinta-feira, maio 18, 2006

A rapariga das gaivotas

Gustave Courbet

As gaivotas são o escudo desta mulher que
as leva ao mercado dos deuses, onde serão vendidas
pelo melhor preço. A paisagem é o seu trunfo; e
ao arrancar-lhes as penas, enquanto os homens
a espreitam detrás das nuvens, ouvi-la-emos
cantar, num único murmúrio. Mas o movimento
dos lábios é quanto basta para entendermos o cansaço
que ela arrasta. E ao esvaziar o copo, enquanto
espero que ela me ponha os pássaros depenados
no prato do poema, penso na vinha das ondas
que aqueles pássaros debicaram, limpando-as
de espuma, para que os olhos se concentrassem
no negro dos rochedos. A mulher, porém,
interrompe o seu trabalho; e ao atirar para o lado
as gaivotas, sentindo nos dedos uma implosão
de fungos, faz o vazio à sua volta. «Por que me
prometeram a música das estrelas?», pergunta. E
um bater de asas nasce de dentro das suas pernas,
erguendo-a do fundo dos mortos, para que
um enxame de versos a restitua à vida.