Autoretrato
Aquilo a que chamam um corpo pode ser
transformado em linhas, cores, manchas
que se espalham pela superfície onde
o desenho, como se alguém pudesse
juntar o que é incompreensível ao
que nasce da pura percepção de uma
palavra. Refiro-me a essa mistura
de alma e de mim que espalho por
entre as tintas a que roubo a minha
imagem; e é como se nascesse de
destroços, de um campo de batalha
de formas e memórias, de ruínas
em que recolho sombras e ervas,
para as colar sobre a minha pele,
criando o que dizem ser, por um
efeito de realidade, eu. E
não sei o que vejo, quando me
olho: se eu sou esta que me
oferece o seu reflexo, ou se é ela
que sai de dentro de mim e se
atravessa na minha vida, como
se quisesse roubar-me a mim própria.
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