Sótão
Diria ainda uma coisa absurda: a
atenção com que olhas o tecido, à procura
da mancha que não sai, ou dos fios
que se soltam, impede-te de olhares
a natureza morta que puseste em cima
da mesa, sem saberes que um quadro
não se resume a esse pormenor. Não
te quero distrair, nem espero que
me ouças, enquanto pensas se irás
precisar da tesoura, ou se mais valeatenção com que olhas o tecido, à procura
da mancha que não sai, ou dos fios
que se soltam, impede-te de olhares
a natureza morta que puseste em cima
da mesa, sem saberes que um quadro
não se resume a esse pormenor. Não
te quero distrair, nem espero que
me ouças, enquanto pensas se irás
deitar o pano fora, e ir para a rua,
onde o movimento das pessoas te
irá afastar dos teus problemas. Mas
se o fizeres, a natureza morta ganhará
todo o espaço do quadro; e só a pulseira,
que entretanto irás tirar, para te
esqueceres dela no tampo da mesa, me
irá lembrar que estiveste naquela sala,
e que a tua ausência é mais importante
do que as flores que ninguém mais saberá
o que fazem ali, e quem as pôs num copo
de água, para não murcharem de vez.
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