Num banco de comboio
No banco da frente da carruagem de comboio
que me levava para a praia, por entre as faúlhas da
máquina e o vento, ela segurava a aba do chapéu
e olhava para o campo, deixando-me sem saber
o que pensar. Mas era isso que ela queria: que eu
não soubesse que estava sem saber o que pensar,
quando largava o chapéu e o vento o atirava
para o banco de trás, onde tinha de o ir buscar. Então,
a sua mão segurava os cabelos; e eu deixava que
o tempo passasse, entre apanhar o chapéu e devolvê-lo,
para que a sua mão lutasse contra o vento que lhe
soltava o cabelo. Mas quando o chapéu voltava ao lugar,
e ela me olhava, era como se os seus olhos estivessem
cheios com o brilho das faúlhas que saltavam da máquina
a vapor, e incendiavam a manhã em que eu ia para a praia,
nessa carruagem de madeira onde ela me deixou sem
saber o que pensar, até hoje, quando um vento súbito
lhe arrancou o chapéu da minha memória dela,
e os seus cabelos dançaram no ar sem
que mão alguma os segurasse.
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