Fronteira
Pode ser que haja aqui alguém: o vento
trouxe um eco da sua voz, o sol ocultou
a sua sombra, um pássaro saiu espantado
de dentro dos arbustos. Há lugares que
guardam a memória de quem neles
viveu, e o tempo deixa de contar quando
nos aproximamos das imagens que
julgávamos esquecidas. As paredes
em ruína recuperam a sua cor, as
portas há muito fechadas voltam a abrir;
e tu surges, o teu rosto, o teu corpo,
as mãos que seguram o parapeito
como se o jardim ainda existisse,
e no horizonte se desenhasse uma
hipótese de primavera. Depois, volto
a pisar a erva que substituiu as plantas
tratadas nos canteiros, e afasto o lixo
que se acumula junto aos muros, para
voltar atrás, ao dia de hoje, e respirar
a melancolia que nasce desta ausência.
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