A a Z

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Para além do muro




Olhas para além do muro; e
o que vês? O tempo para além do tempo,
a tarde que não chega, ou a noite que
vai chegar quando menos a esperas,
uma última ave no limite
do céu, pedindo-te que a não sigas.
Mas não cedas ao abraço da árvore,
ao apelo das raízes, à melancolia
de um desejo de horizonte. Encosta-te
a esse muro, sabendo que ele desenha
o espaço que te foi dado, e que as tuas
mãos descobrem no frio da pedra.
Não te resignes ao que existe. A ave
que desapareceu por trás da colina conhece
o caminho que os teus olhos procuram.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Pérola



Deita-se na sua concha; olha
o branco das gaivotas; despe
de espuma as ondas que
a procuram. Nos seus olhos
não entram a noite
e o medo. Transforma-se
devagar, sem ouvir o
canto dos oráculos, nem
a música dos sábios. Sente
cada pedaço da sua pele quando
as mãos da água lhe tocam;
e abre-se a um desejo de azul,
a um abandono de areal
na maré baixa do sonho. Os pescadores
de pérolas procuram-na
em cada refluxo de sombra;
os amantes empurram os juncos
da loucura para a fazer sair
do seu sono. E ela ri-se,
numa oferta de fogo, para que
os nómadas encontrem nas dunas
do seu corpo um repouso de viagem.

A sombra no tapete

Continuo a pensar na sombra
que te acompanha quando a luz
projecta no chão a imagem que perdes
ao sair do espelho. E sei que há um ritmo
branco neste espaço que deixas entre
a cadeira e a porta, para que
as minhas palavras o encham
com a tua ausência.

Às vezes, é como se um sol
viesse ao teu encontro, para te roubar
à noite, e me espalhasse pela memória
os teus cabelos no movimento de nuvem
que se perde no horizonte do verso,
de onde se soltam as aves
e a espuma perfeita de um corpo
antigo.

Outras vezes, o olhar que vem
ao meu encontro cruza-se com o teu, como se
o amor fosse o resultado
desta soma de diferenças, e a razão
da primavera se encontrasse na linha
que os teus passos desenham,
num eco de voz que a manhã suspende,
no peso adormecido de uma leveza de ombros.

E cubro com a seda do silêncio
o vidro da tua boca.