Velho fado
Outro nome tem o fado,
pode ser o meu destino:
a vida a passar-me ao lado,
um desejo em desatino.
Olhar por cima do céu
quem anda em baixo na terra:
ser inocente e ser réu,
amar a pá que me enterra.
Não saber aonde vou
quando parto deste porto,
nem dizer a quem ficou
se estou vivo, se estou morto.
Se teu sonho me procura
nada tenho a dizer:
pode ser já noite escura,
ser treva um sol a nascer.
Mas se um dia te olhar
sem saber como te chamas,
há-de haver no teu andar
a sombra que tu reclamas.
Esta sombra que eu guardei
no bolso da nossa história,
corpo que nunca abracei,
cinza de antiga memória.
E não me digas que é triste
o que nunca aconteceu:
não vês o que não existe,
nem morre o que não nasceu.